Presenciei o desabafo acima há alguns anos enquanto acompanhava uma pesquisa de mercado sobre um produto que desenvolvia. Era um sistema didático digital de Língua Portuguesa. Quem o disse, beirando o pânico, foi uma professora de uma das escolas mais conceituadas de São Paulo, possível cliente para a plataforma.
Além da dramaticidade da frase, o que mais chamou minha atenção foi o perfil daquel docente, que nada indicaria tamanho temor à tecnologia: jovem, pós-graduada e usuária assídua de smartphones e de redes sociais.
A explicação dessa aparente incoerência é que uma coisa é usar sem preocupação uma tecnologia como cliente; outra, bem diferente, é depender dela para uma atividade crítica de nosso cotidiano (como nosso trabalho), especialmente se não tivermos sido treinados naquilo.
Era o caso daquela professora, que, a despeito de sua boa formação, aprendeu a dar aulas apenas de forma “analógica”. Apesar de o mundo digital fazer parte de sua vida, ela não tinha a menor ideia de como usá-lo em seus planos de aula, indefectivelmente ligado a livros impressos, cadernos e lousa.
Apesar disso, lá estava ela, entrevistada em um “focus group”, sentindo-se acuada por outros colegas que estavam se saindo melhor diante daquela linguagem que não dominava.
Essa passagem serve para algumas reflexões. A digitalização de tudo que fazemos vem a passos largos, e a inteligência artificial promete acelerar isso ainda mais, já nesse ano. Muita gente não vê a hora de isso tudo chegar, mas outro tanto (arriscaria dizer que a maioria) nem sabe o que isso significa ou como impactará o seu cotidiano.
O mundo é incrivelmente heterogêneo. O que pode ser óbvio para alguns pode ser impenetrável para outros. No digital, essas diferenças ficam ainda maiores.
Um bom exemplo, que já observei em mais de um caso, é chamar um Uber. Atividade prosaica para a maioria das pessoas, há aqueles que conceitualmente não compreendem sua interface.
Portanto, cuidado com os julgamentos!
De volta ao mundo da educação, a tecnologia abre espaço nas salas de aula por pressão de governos, de gestores educacionais, de pais e até de alunos. Na ponta, estão os professores, aqueles mesmos que sabem como ninguém dar suas aulas, mas que normalmente não tiveram nenhum treinamento em como digitalizá-las.
Isso ficou bastante evidente durante a pandemia, com escolas fechadas e professores heroicamente tendo que encontrar caminhos entre celulares e computadores seus e de seus alunos, muitas vezes obsoletos, com conexão precária à Internet e sem apoio.
Profissionais de qualquer área -e a educação não foge da regra- precisam receber treinamento diante do novo. Caso contrário, boas iniciativas podem apresentar resultados muito insatisfatórios.
O projeto não decolou em muitos países, como o Brasil. Apesar de os computadores serem incríveis para a época, os professores simplesmente não sabiam o que fazer com eles.
Agora muitos alunos trazem seus próprios computadores para a escola: seus smartphones. Mas seu objetivo não é fazer um uso educacional do equipamento (muitas vezes com o apoio dos pais), tornando-o um terrível fator de distração.
Uma vez mais, cabe aos professores desenvolverem mecanismos para usar o equipamento em atividades pedagógicas e ter autoridade para impedir seu uso na escola fora disso. Não é fácil!
Por isso, essa é uma lição de casa para os pais, que devem se aliar aos mestres, para o bem de seus filhos.